sábado, 30 de abril de 2011

"Civil" pode ser julgado pela Justiça Militar ?


Primeiramente, faz-se necessário distinguir o militar estadual, do militar federal. O primeiro é vinculado às polícias militares e corpo de bombeiros, órgãos que compõe a segurança pública, nos termos do art. 144, inciso V da CF/88, já o segundo é integrante das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), ex vi do disposto no art. 142 da CF/88.

Os crimes militares estão definidos no Código Penal Militar e nas Leis Militares Especiais. Deve-se observar, que por força de disposição constitucional a Justiça Militar Estadual tem competência apenas e tão somente para julgar os militares estaduais. Já a Justiça Militar Federal, julga os militares federais e, em alguns casos, os civis.

Justiça Militar Federal e Estadual possuem organização judiciária semelhante: a 1 ª instância da Justiça Militar denomina-se Conselho de Justiça, que tem como sede uma auditoria militar. O Conselho de Justiça divide-se em Conselho de Justiça Permanente e Conselho de Justiça Especial. O primeiro destina-se ao julgamento das praças. O segundo destina-se ao julgamento dos oficiais. A presidência do Conselho de Justiça é exercida pelo oficial de mais alta patente.

A 2 ª instância da Justiça Militar Federal é exercida pelo Superior Tribunal Militar – S.T.M, com sede em Brasília, que possui competência originária e derivada para processar e julgar todos os recursos provenientes das auditorias militares distribuídas pelo território brasileiro.

A 2 ª instância da Justiça Militar Estadual nos Estado de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, é exercida pelo Tribunal de Justiça Militar que possui competência originária e derivada para processar e julgar os recursos provenientes das auditorias militares estaduais. Nos demais Estados, a 2 ª instância da Justiça Militar é exercida por uma Câmara Especializada do Tribunal de Justiça em atendimento ao Regimento Interno e Lei de Organização Judiciária.

Os artigos 122 e seguintes da CF/88 definem a competência da justiça militar, dispondo o art. 124 que: “ a justiça militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”.

O art. 9º do Código Penal Militar define os crimes militares em tempo de paz e em tempo de guerra da seguinte forma:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.

Infere-se do dispositivo supra que a competência da Justiça Militar estende-se não somente aos militares, como também aos crimes praticados por civis contra as instituições militares, nos termos do inciso III do referido artigo.

No art. 125, notadamente nos §4º e §5º, da CF/88 há disposições sobre a competência da justiça militar estadual:

§4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

§5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência do juiz de direito, processar e julgar os demais crimes.

Depreende-se dos dispositivos supra que a competência da justiça militar estadual para processar e julgar os militares estaduais ficou restrita aos crimes militares cometidos por militares, com exceção da competência do tribunal do júri quando a vítima for civil.

Os demais crimes militares praticados contra civis, a competência será da justiça militar, mas o julgamento não será do Conselho de Justiça, mas do Juiz de Direito do Juízo Militar, ou seja, em tal situação não há um julgamento coletivo, mas singular.

Já em relação aos crimes militares praticados por militares federais não deve ser aplicada a regra acima mencionada, já que a Constituição expressamente se referiu aos militares estaduais no art. 125. Assim, aos militares federais aplica-se a regra contida no artigo 124 da CF/88, o qual dispõe que: “ a justiça militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. Praticado o crime contra civil ou militar, por um militar federal em serviço, a competência será da Justiça Militar da União.

No entanto, ainda é polêmica a jurisprudência no sentido de fixar a competência da justiça militar para processar e julgar os crimes militares praticados por civis contra militares, nos termos do art. 9º, III do Código Penal Militar.

A interpretação que a jurisprudência do STM vem dando é que o art. 124 da CF/88 que define a competência da Justiça Militar em processar os crimes militares definidos em lei permite que civis também sejam julgados pelo Conselho de Justiça, já que o referido dispositivo deixou ao legislador infraconstitucional a competência de definir quais são os crimes militares e, como já visto acima, o art. 9º do Código Penal Militar, que define os crimes militares, inclui, em seu inciso III, a possibilidade de civis também serem julgados perante a Justiça Militar.

Essa é também a jurisprudência dos Tribunais de Justiça dos Estados que entendem quando os crimes são praticados contra militares no exercício da função militar que lhes é própria, o que afasta a discussão sobre as denominadas atribuições subsidiárias das Forças Armadas, a competência será da Justiça Militar para processar e julgar a respectiva ação penal, com exceção daqueles outros de induvidosa competência da Justiça Federal.

Tal fato, porém, segundo entendimento recente do STF deve ser aplicado com excepcionalidade e com ponderação, uma vez que deve ser analisado o objetivo do civil em atingir a instituição militar:

HABEAS CORPUS. CRIMES DE HOMICÍDIO E LESÃO CORPORAL GRAVE CONTRA MILITAR EM OPERAÇÃO DE TRANSPORTE DE FARDAMENTO DO EXÉRCITO. COLISÃO DO VEÍCULO DO PACIENTE COM A VIATURA MILITAR. IMPUTAÇÃO DE DOLO EVENTUAL. AGENTE CIVIL. INOCORRÊNCIA DE CRIME MILITAR. INTERPRETAÇÃO ESTRITA DA FUNÇÃO DE NATUREZA MILITAR. EXCEPCIONALIDADE DA JUSTIÇA CASTRENSE PARA O JULGAMENTO DE CIVIS, EM TEMPO DE PAZ. 1. Ao contrário do entendimento do Superior Tribunal Militar, é excepcional a competência da Justiça Castrense para o julgamento de civis, em tempo de paz. A tipificação da conduta de agente civil como crime militar está a depender do “intuito de atingir, de qualquer modo, a Força, no sentido de impedir, frustrar, fazer malograr, desmoralizar ou ofender o militar ou o evento ou situação em que este esteja empenhado” (CC 7.040, da relatoria do ministro Carlos Velloso). 2. O cometimento do delito militar por agente civil em tempo de paz se dá em caráter excepcional. Tal cometimento se traduz em ofensa àqueles bens jurídicos tipicamente associados à função de natureza militar: defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais, da Lei e da ordem (art. 142 da Constituição Federal). 3. No caso, a despeito de as vítimas estarem em serviço no momento da colisão dos veículos, nada há na denúncia que revele a vontade do paciente de se voltar contra as Forças Armadas, tampouco a de impedir a continuidade de eventual operação militar ou atividade genuinamente castrense. 4. Ordem concedida para anular o processo-crime, inclusive a denúncia.(HC 86216, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 19/02/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-01 PP-00153) .

Portanto, tratando-se de crime militar praticado por civil deve se atentar, para a questão da competência, se havia a intenção do agente civil em atingir a instituição militar em algumas de suas funções constitucionais, caso contrário, o crime terá natureza comum, atraindo a competência da justiça comum.

Tratando-se de crime contra a vida praticado por civil contra militar em serviço, nos levaria a uma conclusão de que a competência para o processamento e julgamento deste crime seria do Tribunal do Júri, uma vez que há indicação expressa pela Constituição a essa competência. No entanto, esse não é o entendimento do STM e STF, para os quais, tratando-se de crime doloso praticado por civil contra a vida de militar, a competência seria da Justiça Militar, nos termos do art. 124 da CF/88.

Tal fato é corroborado pela ementa do Superior Tribunal Militar a seguir transcrita:

EMENTA: Habeas Corpus. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Inconstitucionalidade do art. 9º do CPM. Homicídio doloso. Competência. Falta de amparo legal. Civil e mais dois comparsas, armados com arma de fogo, entram em vila militar e, de surpresa, atiram em Soldado da Aeronáutica, em serviço de sentinela, tirando-lhe a vida. Inconstitucionalidade. Inexistência. Crime praticado por civil contra militar das Forças Armadas em serviço é da competência da Justiça Militar da União, conforme preceitua o art. 9º, inciso III, do CPM, lei autorizada a dispor sobre a matéria. As alterações trazidas pela Lei nº 9.299/96 não atingiram a competência da Justiça Militar da União, nem poderia, posto que esta é estabelecida pela Constituição Federal (art. 124). Prisão preventiva. Excesso de prazo. Não configura constrangimento ilegal o excesso de prazo que se baseia na periculosidade do indivíduo, bem como na conduta dos advogados dos réus, in casu, responsáveis pelos inúmeros adiamentos de audiências. Preliminar de incompetência rejeitada. Denegada a ordem. Falta de amparo legal. Decisão unânime. (Num: 2006.01.034286-9 UF: BA Decisão: 27/02/2007, Proc: HC – HABEAS CORPUS Cód. 180, Data da Publicação: 04/04/2007 Vol: Veículo: Min. Relator MARCOS AUGUSTO LEAL DE AZEVEDO).

O entendimento do Supremo também é nesse sentido:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. CRIME DOLOSO PRATICADO POR CIVIL CONTRA A VIDA DE MILITAR DA AERONÁUTICA EM SERVIÇO: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL: ART. 9º, INC. III, ALÍNEA D, DO CÓDIGO PENAL MILITAR: CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de ser constitucional o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de militar em serviço pela justiça castrense, sem a submissão destes crimes ao Tribunal do Júri, nos termos do o art. 9º, inc. III, “d”, do Código Penal Militar. 2. Habeas corpus denegado. (HC 91003, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 22/05/2007, DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00087 EMENT VOL-02283-04 PP-00753)

Conclui-se, desse modo, que cabe à Justiça Militar não só julgar crimes militares praticados por militares, com as exceções previstas na CF/88, como também os praticados por civis contra as instituições militares, inclusive, crimes dolosos contra a vida, excepcionando a regra do Tribunal do Júri, conforme entendimento do STF.

Fonte: http://permissavenia.wordpress.com/category/direito-penal/

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