terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Projeto de Lei pretende proibir videogames ofensivos no país

RIO - A venda de videogames considerados ofensivos pode ser proibida no país, caso seja aprovado, no Congresso, um projeto de lei do senador Valdir Raupp (PMDB-RO). Ele pretende alterar a lei 7.716/89, que define os crimes resultantes do preconceito de raça, cor e religião. O projeto quer tipificar como crime as ações de "fabricar, importar, distribuir, ter em depósito ou comercializar jogos de videogames ofensivos aos costumes ou às tradições dos povos, bem como a seus cultos, credos, religiões ou símbolos". A pena seria de um a três anos de detenção.

É verdade que o próprio senador admite não conhecer jogos específicos que se enquadrem nessa categoria. Mas o projeto foi aprovado semana passada na Comissão de Educação do Senado e agora vai para a Câmara.

- O problema é que o videogame descambou para uma liberalização geral - diz Raupp à DIGITAL. - A gente sabe que é difícil essa lei ser aplicada, mas é uma forma de inibir um pouco a clandestinidade e os jogos que atentam contra a conduta.

O senador Valter Pereira, relator do projeto, diz o seguinte em sua análise:

"Embora sejam classificados pelo Ministério da Justiça, alguns jogos de videogame desprezam, notadamente, o comportamento correto das crianças, ensinando palavrões. Em outros, os gays são mortos e as religiões, tais como o satanismo, budismo, hinduísmo, judaísmo e o cristianismo, são ofendidas. Sobre o cristianismo, vê-se em alguns jogos alguém bater em anjos, enquanto se escuta um coral católico. É comum um superbandido bater asas pelo inferno antes da batalha final, ou até derrotar Jesus e seus 12 apóstolos, embora tenham nomes engraçados".

Tem tudo, pois, para virar um projeto polêmico, que lembra velhos debates em relação a jogos violentos. Quem definiria, por exemplo, qual jogo é ou não preconceituoso? Um jogo de vampiros, digamos, é ofensivo à religião cristã e a seus símbolos?

Segundo Raupp, essas questões ficarão por conta da regulamentação da lei:

- Há jogos que divulgam a violência entre adolescentes - acusa o senador sem citar jogo algum, mas provavelmente se referindo ao "Bully". A controvérsia que houve em relação ao jogo nos EUA ocorreu antes do lançamento.

- (Em Bully) o personagem começa como vítima do bullying e termina criando uma insurgência dos nerds e outros excluídos que também sofrem agressões. E existem os inspetores da escola. Se você comete uma infração comportamental, vai de castigo pro dormitório. Parece mais um filme de high school americano - explica Pedro Giglio, jornalista especializado em games. Ainda assim, a comercialização de "Bully" no Brasil foi proibida em abril de 2008.

Na justificativa do projeto, Raupp cita um estudo da Universidade de Michigan que afirma que os "videogames mudam as funções cerebrais e insensibilizam os jovens diante da vida".

- A cada estudo que aponta efeito negativo, há vários outros que comprovam o contrário - rebate Vinícius Pereira, professor do PPGCom-Uerj e diretor do Pan Media Lab, da ESPM.

Vinícius cita uma pesquisa da Universidade de Rochester mostrando que jogadores de jogos violentos desenvolvem uma acuidade visual que lhes permite ver pontos e mensagens visuais ultrarrápidas que outros não conseguem.

- O game violento exige uma tensão muito maior que torna a performance mais próxima do que seria uma situação de risco no dia a dia. Pra que serve isso? No futuro talvez iremos viver num ambiente com múltiplas telas que torne essa habilidade importante - analisa.

Para Vinícius, o problema é que os políticos não conhecem nada de jogos, veem um conteúdo diferente e traduzem aquilo de acordo com os seus costumes e moral, sem levar em conta "as subculturas que surgem em torno dessas novas tecnologias".

Uma das distorções causadas por essa visão pouco íntima do mundo do entretenimento digital seria avaliar o impacto dos videogames da mesma forma como se trata uma mídia de massa, como a televisão. Só que, diferentemente do que acontece na TV, os jogos atingem públicos específicos e na maioria das vezes não são "consumidos" em grupo.

Vinícius defende que haja algum tipo de regulação, mas que antes é preciso fazer muito mais estudos sobre o mercado de videogames no Brasil, que ainda é desconhecido.

- O Brasil pode estar entrando de imediato na contramão de uma indústria milionária, a que mais fatura no mundo hoje. Temos um forte potencial para avançar nos campos das tecnologias digitais. A performance do brasileiro em redes sociais e outros sites, até no spam, mostra um perfil inovador e de familiaridade com a cultura digital. Não podemos travar a possibilidade do consumo e do conhecimento a partir de um projeto de um senador que não conhece a cultura dos games - esclarece Vinícius.

Segunda-feira passada, durante um seminário na FGV, a proposta do senador Raupp foi discutida.

Coordenador do projeto Game Studies do CTS, Arthur Protasio falou com André Machado sobre o assunto defendendo a liberdade de expressão nos jogos:

- Eu adoro o humor negro de Quentin Tarantino no filme "Bastardos inglórios" (ainda em cartaz), mas não posso suportar a ideia de que, se um game tentasse mostrar o mesmo ponto de vista, seria censurado, proibido ou, no mínimo, ferozmente criticado.

Protasio fala sobre o jogo "Six Days in Fallujah", que mostrava a guerra do Iraque sob o ponto de vista dos soldados, inclusive com depoimentos reais, e foi abandonado por falta de distribuição.

- E era uma experiência de conscientização, não apenas um game. No entanto, acabou cancelado após uma avalanche de críticas. E o pior é que, na maioria dos casos, quem o criticou não jogou o game. Ora, se você é um crítico literário, tem que ler livros; se é um crítico de cinema, tem que ver filmes; e, se vai avaliar um game, tem que jogar o game.

Fonte:http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2009/12/14/projeto-de-lei-pretende-proibir-videogames-ofensivos-no-pais-915188685.asp


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