sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Boites que bombam

Acho que quando a gente vira um profissional de propaganda as coisas perdem um pouco a graça. Começamos a virar pessoas chatas. Começa a enxergar tudo que está por trás das propagandas e das estratégias de marketing. É igual quando nosso primo mais velho fala pra gente: “Papai Noel não existe, imbecil”, e você olha seus primos mais novos acreditando como patinhos e pensa consigo mesmo: “você ainda vai acreditar nisso por um bom tempo, babaca!”. É mais ou menos como se tivesse um Mr. M em nossa consciência 24h desvendando todas as “mágicas”.

Todos sabem que as boites de Salvador não duram mais do que 2 anos. Fazem uma mega festa de lançamento para a qual você não será convidado, mas de última hora irá conseguir um convite com um amigo que teve uma diarréia a desistiu de ir, vai entrar na festa se achando VIP*, e irá contar para todos que conheceu a boite que acabou de abrir.

* VIP = Very Important Person. O inglês como “pessoa muito importante”, mas não consegue explicar: - Importante para quem?!

Depois nova boite Tripx Trance Drops Putz Cox é aberta ao público. Você pega seu carro, e vai para a tal boite nova. Você estaciona e o dono da rua, também conhecido como guardador de carro avisa que irá tomar conta do seu carro, e cobra R$5,00 antecipado.

- Pô meu velho! Na volta a gente acerta.
- Rapai, tem qui sê agora. A gente trabaia certo aqui e o pagamento é adiantado.
- Mas na volta você nem estará aqui.
- Oxen. Como não? Trabalho nessa rua há 15 ano. Todo mundo me cunhece aqui.
- Só vô imbora quando os fregueis vai.

E você paga os R$5,00.


Só de chegar na porta já se vê aquela fila quilométrica, com seguranças parrudos não amigáveis, e aquelas mesmas patricinhas e playboyzinhos de sempre. Você cumprimenta as mesmas pessoas de sempre, faz as mesmas perguntas de sempre (“e ai?”, “kd o pessoal?”, “como foi de São João”, etc). Pega o último lugar na mega fila. Depois de 2 horas você percebe que a mesma não andou nem 10 cm. Você não se incomoda se os pseudo-vips estão furando fila por conhecerem o “promoter” da festa, bem como as periguetes (já viu periguete pegar fila de boite?).

A fila está tão grande que você já acha que a festa está bombando. Você liga para seus amigos e fala: rapaz, tá bombando! Fila grande = Fluxo altíssimo, correto? Errado babaca! Essa é mais uma jogada de Papai-Noel! Você é a vitrine da casa. A fila serve para que os outros idiotas que passam de carro em frente também achem que a festa está boa e parem para enfeitar a grande centopéia humana.

Três horas se passaram e finalmente você chegou ao guichê. Se der sorte, entra. Caso contrário o segurança informa que a casa está lotada e você vai pra casa. Vá pra casa. Perdeu seu tempo na fila. Uma recepcionista robotizada mal humorada irá pedir seu nome, idade, RG, CPF, comprovante de residência, atestado de óbito, tipo sanguíneo, etc. No final ela fala mecanicamente que nem aqueles meninos que entram em ônibus pra vender caneta (“eu poderia estar roubando, poderia estar matando...”):

“- Censura mínima 24 anos, R$1.500,00 de entrada, R$2.000,00 de consumação. Se perder o cartão são R$2.000.000,00.”.

Mas você ainda sorridente agradece, e pagará feliz, afinal você está na boite mais bombada de Salvador.

Segundo Philip Kotler, o pai do marketing, essa é estratégia de desnatamento, ou seja, consiste em lançar o novo produto a um preço alto e com elevado gasto em promoção, com o objetivo de obter maior lucro unitário possível e acelerada penetração no mercado. O mesmo autor também defende que todo novo produto tem sua fase de introdução (lá ele!), crescimento (lá ele), maturação (lá ele) e declínio (lá ele). Esse ciclo é aplicado nas boites, e nós (nós não, vocês!) circulamos por ele feito patinhos. Se fizermos o gráfico mais vai parecer uma montanha russa.

Finalmente o paraíso! Você entrou. As luzes piscando, gente dançando, mas um calor infernal. Você não liga! Tudo tem seu preço. Vai buscar uma cerveja. Fica mais meia hora na fila disputando no braço com marmanjos bombados um pedacinho de balcão pra entregar seu cartão ao garçom mal humorado. Depois de 30 minutos você consegue dar uma primeira golada. Claro que você nem viu o cardápio pra saber que a Skol Beats que você pegara custava R$9,00. Mas você mais uma vez não liga.

A partir daí você não lembrará de muita coisa, afinal irá torrar todo o seu salário em tequilas, cervejas, bebidas ICE e outras coisas que os outros também estiverem tomando, afinal você que tem que se encaixar no perfil da boite e fazer o que os outros fazem. Você olha pra cima e vê alguns pseudo-vips no camarote pseudo-VIP. Eles não se divertem lá em cima, mas passam a festa toda vendo os outros fingirem que estão se divertindo lá em baixo.

Resumindo...

Camarote VIP:
Fica lá em cima a festa toda apoiado no grade olhando as pessoas lá em baixo, exibindo sua coleção de pulseiras VIP.

Pista:
Todos lá em baixo dançando como uma selva de epiléticos. De vez em quando dão uma olhadela pra cima pra saber quem está no camarote VIP.
Se você olhar mais atentamente, dentro do Camarote VIP tem o camarote VVIP (Very Very VIP). Nele tem no máximo 10 pessoas que olham com olhar de repúdio para a ralé do camarote VIP. Carregam consigo uma garrafa de whisky que pagaram R$120 com um cheque pré-datado. Já estou vendo o dia que irão fazer o camarote one-to-one, ou seja, um cercadinho para uma única pessoa na parte mais alta do camarote VVVIP.

A partir daí você pegará fila para o banheiro, irá fingir que está se divertindo, e fará o que mais se faz em uma boite. Dar cada olhada!!! Claro, em boate bombada não se poder chegar numa mulher. Tem que ficar olhando. Tem umas que levam um rolinho de fio de nylon na bolsa, pra logo que chegarem amarrarem uma extremidade na ponta do nariz e a outra no teto, pra não correr o risco do nariz desempinar. O mais engraçado, que são as mesmas periguetes que você pegou no Bonfim Light, que você vê todos os dias fazendo coisas normais, mas que lá parecem bonecas de porcelana. Verdadeiras Sashas que não fazem nem cocô.

Mais pro final da festa você já perdeu os pudores e resolve sair queixando todas. Encontrará uma outra mais bêbada que você que não lembrara do próprio nome (nem você) com quem você irá dar uns beijos (e só isso) por alguns minutos. Você já concluiu sua missão da noite, pegou alguém, e resolve ir pra casa. Paga R$100 de conta, paga mais uma fortuna de estacionamento se deixou com o manobrista. Se deixou com os donos da rua, conhecidos também como guardadores, irá ficar puto em saber que você pagou adiantado os R$5,00 mas o espertinho já tinha se mandado.

Esse ciclo irá se repetir por muito tempo, até que os guris e “povo baixo astral”, também conhecido como classes mais desfavorecidas, começam a freqüentar o lugar, que já começou a baixar os preços. De repente a tão renomada boite começa a cair o nível, você faz cara de vômito quando alguém diz pra você que vai pra lá, e começa a descobrir uma nova boite.
Depois, os marketeiros donos de boite fazem mais uma jogada de mestre a la Nizan. Fecham a boite (você acha que ele faliu). Espera uns dois meses, e reabre com outro nome. Se lembram do Kalamazoo? Fechou né? Ai abriram o Manatee. Bombou, lembra? Xiii... ficou baixo astral demais depois. Fechou também. Depois virou Satelitte? Ta bombando! Mal sabem os espertinhos que é tudo do mesmo dono.

Agora a moda é a Nova Fashion. Reformou né?! Simplesmente fecharam, pintaram algumas paredes, aumentaram o bar (logo diminuíram o espaço da pista), investiram algumas casas decimais em publicidade, e agora está “bombando”.

Posso até queimar a língua em ser visto num lugar desses, mas não faço disso minha rotina. Não quero ser a bala que matou John Lennon, mas gostaria que todos passassem a olhar com olhares mais espertos esses movimentos. Parem de ficar dando rios de dinheiro para espertinhos. Parem de abrir mão do enterro da avó pra não perder a festa do Laser Putz Krash Fashion Dance. Aprenda a curtir um bom barzinho, vá variar de programas de vez em quando, vá para lugares menos convencionais, organize suas próprias festas. Mude!

Autor: Cleber Paradela (cleber@canalhinhas.com.br)
Extraído do site: www.canalhinhas.com

Nenhum comentário: