sábado, 17 de abril de 2010

Marcelo Rubens Paiva: Acontece que ele é baiano


A primeira viagem longa e sem a família que fiz foi pra Bahia, lógico. Fruto da paixão por Jorge Amado e tropicalistas.

Com a turma do colégio, todos “de menor”.

Pegamos um busão até Porto Seguro, o começo do Brasil.

Falaram de uma vila, Arraial da Ajuda, em que só se ia a pé pela praia e nem tinha luz elétrica. Havia uma fonte de água milagrosa e praias desertas. É, nego, eu tenho idade… Passamos dois dias lá, dormimos na praia.

De Trancoso ninguém tinha ouvido falar ainda.

Depois, Itabuna e Ilhéus, conhecer o ar, o mar e os personagens de Amado.

Depois, Salvador, onde nos hospedamos numa república de estudantes e tinha o melhor e mais autêntico Carnaval do Brasil.

A Bahia passou a ser uma visita obrigatória na minha vida.

Bahia de Dorival, Tom Zé, Raul Seixas, Glauber, Gil, Caetano, João Gilberto, João Ubaldo, Novos Baianos, Cor do Som, Gal Fatal, Marcelo Nova e Camisa de Vênus…

Na década de 90, eu ia pelo menos 3 vezes por ano. Receber uns passes no GANTOIS, levado pela minha amiga TERECO, ouvir os conselhos de Xangô, comer bem, ver a transformação da cidade, me esbaldar no Trapiche, Dada e com as muitas baianas de acarajé.

Cheguei a ensaiar uma peça lá só com atores baianos. O jovem e desconhecido LÁZARO RAMOS estava no elenco.

Fiz amigos. Como o jornalista Hagamenon Brito, roqueiro, cítico de música, polêmico, irônia afiada, quem cunhou o termo “axé music”.

Pouco a pouco, fui perdendo o interesse pela Bahia. Especialmente pela cultura que vinha de lá. E pelo que os paulistas endinheirados estavam fazendo com aquele paraíso que hipnotizou Vaz de Caminha.

Trancoso ainda é deslumbrante. Mas o transfomaram no parque de lazer da elite. Caraíva foi tomada. Itacaré. Basta uma vila de pescadores, para estarmos lá, a paulistada [me incluo, pois passei o réveillon de 2007 lá e esvaziei a carteira] e a gringaiada, com grana, seduzindo, alugando, comprando, criando empreendimentos, campos de golfe, resorts em ilhas antes desertas, pistas para seus jatinhos.

Já me perguntei por que Pernambuco oferece o que há de melhor na nova música brasileira, revoluciona [NAÇÃO ZUMBI, MUNDO LIVRE, OTTO, EDDIE, MOMBOJÓ, INSTITUTO, JUNIO BARRETO, 3 NA MASSA, LIRINHA etc. etc. etc], e da Bahia hoje em dia ecoa apenas a voz estridente e insuportável de Ivete Sangalo e Cláudia Leite!

Por isso mesmo, explicam os meus amigos que entendem: a indú$$$tria do Carnaval sufocou a cultura baiana.

E na orla, em que passam os trios elétricos, só tem camarotes.

Adianta ROBÉRIO SANTANA, baixista do CAMISA, queimar ABADÁS? Tomara que sim.

Meu amigo HAGAMENON escreveu um desabafo na sua coluna do CORREIO DA BAHIA, na semana passada (06 de abril de 2010), comovente, que retrata o que é a Bahia na atualidade.

Fonte: http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva

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