
Temido, respeitado, desejado, invejado. Muito se fala sobre o curso formador de ‘caveiras’ do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Mas até hoje somente os 300 homens que venceram o árduo desafio sabem o que significa ostentar no uniforme preto a insígnia da ‘faca na caveira’. No campo de treino, o cemitério simbólico eterniza o fim da jornada para centenas de inscritos desde 1978 que não conseguiram cumprir a missão. Pela primeira vez nos 32 anos da unidade, uma equipe de reportagem entrou no Curso de Operações Especiais, o COEsp, considerado o melhor do Brasil.
A 80 km do Rio, às margens da Represa de Ribeirão das Lajes, em Paracambi, 17 homens com rostos pintados e carregando 25 quilos de equipamentos nas costas se preparam para mais um dia de atividades. A visita da equipe aconteceu no meio da chamada ‘Semana do Inferno’, a fase inicial e mais dura do COEsp. Durante 15 dias, os candidatos a ingressar no Bope serão testados até seus limites físicos e psicológicos, para atingir o máximo de aproveitamento. Isso explica o reduzido número de ‘sobreviventes’: dos 65 aprovados no rigoroso processo seletivo, que começou há apenas duas semanas, somente 17 ainda prosseguiam.
“O que faz a notoriedade não é a dificuldade do curso, mas o resultado. Treinamento duro para combate fácil é um dos lemas”, resume o capitão Marcelo Corbage, coordenador da atividade. No total, 194 policiais do Rio e de mais sete estados se inscreveram para a 18ª edição do curso, mas a maioria foi eliminada ainda na fase de exames médicos e psicológicos. O índice de aproveitamento é de, no máximo, 20% dos inscritos.
Para os ‘aspiras’ do COEsp, o inferno é frio e úmido. O vento gelado que corta o vale faz os músculos tremerem debaixo da roupa permanentemente encharcada. A cada vacilo, os alunos têm que mergulhar na água gelada da represa. “Tá rindo da música que ele cantou?! Pra água!”, ordena um instrutor, que, benevolente, depois deixou o recruta ‘dar uma quarada’.
No acampamento, sono, fadiga e tensão são sensações impostas pelas atividades, vencidas à custa de muita determinação. “A fase inicial é a quebra da resistência. Reproduzimos situações extremas que eles vão passar no futuro, para aprenderem a agir mesmo quando o nível de estresse estiver alto”, explica o capitão Leandro Maia, chefe de Planejamento e Instrução.
Rigor em todas as atividades
Após a escolha do líder daquele dia, a tarefa do grupo de 17 recrutas era descer uma ribanceira, guardar o equipamento e sentar sob a tenda que serve de sala de aula. Tudo em dois minutos, com os instrutores fazendo a contagem regressiva. No último segundo, a turma se reuniu, mas a missão não foi cumprida: os ‘aspiras’ sentaram fora da ordem numérica.
Cada curso é preparado com dois anos de antecedência. A estrutura conta com 80 PMs se revezando nas instruções.
Durante a visita, os alunos não puderam falar ou sequer olhar para a equipe de O DIA. No único momento em que foi autorizado a falar, o recruta 07 resumiu o sentimento de todos ali: “Espero que, um dia, vocês tenham orgulho de nós”.
Cerimônia do adeus dos ‘aspiras’
As três badaladas fúnebres no sino representam a ‘morte’ do aluno. É o fim da linha no Curso de Operações Especiais para quem não aguentara o rigoroso treinamento ou não se sai bem nas avaliações. O ritual de quem deixa o acampamento é cercado de simbolismo, como um funeral de verdade. Em um pequeno cemitério, o ex-recruta deposita a lápide com o número de guerra. À frente dos túmulos, uma placa dispensa explicações: “Aqui jazem os fracos”.
Os ‘caveiras’ gostam de espalhar a lenda de que as ‘almas’ de quem partiu ficam vagando pelo vale de Ribeirão das Lajes, até que o policial passe no curso e a resgate. “O aluno passa por um ritual de desligamento não para ser humilhado, mas para carregar dentro dele a vontade de querer voltar e fazer o seu melhor”, explicou o capitão Marcelo Corbage. Ele preferiu não tocar o sino durante a reportagem: “A energia é muito forte”.
As sensações são ainda mais intensas para quem volta para casa sem a missão cumprida. Os ex-alunos passam por entrevista e acompanhamento psicológico oferecido pelo Bope, para diminuir a frustração. Para ingressar na tropa de elite, o policial passa pelo Curso de Ações Táticas (CAT) ou pelo COEsp, o único que garante o status de ‘caveira’.
Mudança de filosofia
“A essência e o ideal do Bope estão sintetizados no curso. Carregar aquele distintivo não tem preço. A devoção é grande porque a gente acredita em um trabalho sério. Para chegar ao fim, o aluno não precisa de músculos, mas tem que vencer a batalha com a sua mente, suportar a pressão. Quando não conseguem, se sentem derrotados e até choram”, conta o comandante da unidade de elite, tenente-coronel Paulo Henrique Azevedo de Moraes.
Há 20 anos, o oficial conquistou a tão sonhada insígnia. De lá para cá, ele conta, muita coisa mudou no COEsp. “Tinha muitos reflexos da filosofia do Exército, de uma época linha-dura. Mudamos o planejamento, aumentamos o nível de conhecimento dos instrutores. Fomos buscar intercâmbio com outras forças para oferecer o que há de melhor. Temos que estar sempre um passo à frente para que o serviço prestado à população tenha qualidade máxima”, disse o oficial, que, na aula inaugural do 18º COEsp, comemorou as duas décadas de sua formação com almoço reunindo ‘caveiras’ desde a primeira geração.
Antes do treinamento, recrutas passam por uma série de palestras para se ambientar ao que está por vir. Eles recebem informações sobre os exercícios e até como organizar as contas e a rotina da família durante os seis meses de ausência. “O sofrimento nos une. A gente não demonstra, mas torce muito por eles. Cada aluno que vence é uma vitória pessoal para nós”, emociona-se Paulo Henrique.
Fonte: http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2010/6/curso_de_caveira_do_bope_onde_os_fracos_nao_tem_vez_91696.html .
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