quarta-feira, 22 de junho de 2011

Adultério Virtual


Na era da internet, vez ou outra surgem debates sobre as consequências da prática de atos ilícitos ou imorais, que antes eram realizados "materialmente" e "ao vivo", por meios virtuais.


À falta de leis específicas, os magistrados buscam alternativas na LINDB (antiga LICC) para julgar ações nestes casos, valendo-se não raramente do uso da analogia.


Cito apenas um exemplo muito recente, noticiado no site da AASP: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a competência para julgamento de crimes cometidos em blogs jornalísticos na internet é definida pelo lugar de onde partiu o ato delituoso, ou seja, onde se encontra a sede do provedor do site". Só este assunto renderia uma interessante discussão.


Aqui, entretanto, quero me ocupar do chamado "adultério virtual", que alguns chamam de "quase-adultério".


Antes de avançar no tema, porém, tomo a liberdade de fazer uma ressalva: darei a este texto, na medida do possível, uma conotação "informal". Não me preocuparei, como normalmente ocorre com artigos técnicos, em trazer lições de doutrina ou precedentes jurisprudenciais. Não porque eles sejam desnecessários, mas porque me propus a um escrito mais leve, que sirva de mera provocação aos que o leem, fomentando o debate.


Pois bem.



Antes as pessoas casadas praticavam adultério tendo encontros íntimos e – o mais importante de tudo – físicos. Pesquisas revelam que, hoje, um crescente número de pessoas casadas procura sites de relacionamentos para encontros sexuais, que, todavia, não passam das "intimidades" virtuais, ainda que com manipulação de câmeras.


Tal ato implica no rompimento do dever conjugal de fidelidade, na forma do art. 1.566, I, do Código Civil? Poderia, assim, ensejar pedido de separação por caracterizar ato que torne insuportável a comunhão de vida, à luz do art. 1.573, I, também do Código Civil (adultério)? Ademais, caberia falar-se em danos morais por adultério virtual?


Um parêntese: vou fugir da polêmica resultante da EC 66/2010. Apenas destaco que tal Emenda, a meu ver, não colocou fim à separação judicial, que continua sendo um passo que necessariamente antecede o divórcio (salvo quando a lei o autoriza de forma direta – conforme art. 1580, § 2º, do Código Civil). Apenas se poderá falar na extinção da figura da separação quando o legislador infraconstitucional excluí-la do Código Civil. Então, ainda existe separação.


Pois bem. De acordo com a lição da doutrina do Direito de Família, não há quebra do dever de fidelidade por força do adultério virtual. Tal ato só se caracteriza se houver contato físico. Muitos ainda sustentam que é preciso haver efetivamente relação sexual.


Tomando como correta tal concepção, o adultério virtual não representa rompimento de fidelidade, motivo pelo qual não enseja pedido de separação por adultério, tampouco qualquer responsabilização por danos morais.


De qualquer maneira, como bem aponta PABLO STOLZE GAGLIANO [01], não há como aceitar que o sujeito casado pense estar fazendo algo inocente quando mantém diálogos íntimos com outra pessoa pela rede mundial de computadores. Não mesmo!


Neste contexto, não se admitindo tal ato como adultério, parece-me adequado qualificá-lo como um grave rompimento ao dever de respeito (art. 1.566, V, do Código Civil. Por ser conduta desonrosa ao outro parceiro, também é ato que caracteriza impossibilidade de comunhão de vida (art. 1.573, VI, do Código Civil), de tal sorte que é causa de pedir hábil não apenas à ação de separação, mas também ao pleito de indenização por danos morais.


Como deve ter percebido meu paciente leitor, o caminho é diferente, mas o destino a que se chega é o mesmo.


Finalizo este breve escrito tratando de algumas questões que me pareceram interessantes.


A primeira delas é sobre a figura do "quase-adultério". Perdoem-me os que assim qualificam o "adultério virtual", mas não existe "quase-adultério", assim como não existe "quase-separação", "quase-divórcio", "quase-morte", entre outros "quases" de que tanto ouvimos falar coloquialmente. A expressão pode ser didática, mas é equivocada.


Em segundo lugar, convido todos a refletir sobre o que realmente é adultério. Seria hora de romper a concepção de que o contato sexual é fundamental? Muito se defende o casamento como o palco da moralidade – o que não é mesmo de todo errado –, então é preciso ter tolerância menor com atos que atentem contra tal moralidade.


Last, but not least, uma pitada processual: suponha que o cônjuge "traído" pelo "adultério virtual" ajuizou ação de separação e/ou indenização por danos morais com fundamento jurídico balizado na infidelidade. Neste caso, pode o magistrado julgar a ação improcedente sob argumento de que não se trata de adultério?


Respondo negativamente. Isto porque, conforme dita a técnica processual cognitiva, o juiz conhece o direito (juria novit curia).


Assim, se o(a) autor(a) fornecer os fatos ligados ao adultério virtual, atribuindo-lhes o fundamento de infidelidade, deve o julgador alterar tal capitulação, adequando-a ao que entender mais correto – no caso, à quebra do dever de respeito etc. –, já que, como se sabe, o juiz conhece o direito, bastando fornecer-lhe os fatos (da mihi factum dabo tibi jus, isto é, dá-me o fato e te darei o direito).






Notas


1 GAGLIANO, Pablo Stolze. A infidelidade na era da internet. In Carta Forense, edição n. 95, abril de 2001, p. A-8.


Autor



Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Professor da Faculdade de Direito de Itu (FADITU), do Curso Robortella, da Escola Superior da Advocacia de São Paulo (ESA/SP) e da Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador do curso de pós-graduação "lato sensu" de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Itu (FADITU). Advogado em São Paulo.


Fonte: http//jus.uol.com.br/revista/texto/19365/consideracoes-sobre-o-adulterio-virtual

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