quarta-feira, 9 de março de 2011

Acabou o Carnaval: e daí...

Sobre carnaval, abadás, cordas e povo


Houve um tempo em que eu caí na armadilha de bradar aos montes, além dos montes e trás-os- montes sobre o quanto carnaval e futebol eram “instrumentos de alienação do povo” e aquele papinho todo radical que certamente você já leu e ouviu por aí.

Bobagem, é claro. Nada como a maturidade para que possamos refletir algumas idéias e expressões. Não me envergonho do fato de ter dito tais coisas, talvez de forma até ingênua, mas sim de ter embarcado numa espécie de preconceito ao que costumava ser uma manifestação popular e espontânea. O carnaval, segundo Roberto DaMatta, é “um movimento numa sociedade que tem horror à sociabilidade, sobretudo a mobilidade que permite trocar efetivamente de posição social”.

Se não podem vencê-los, juntem-se a eles – ou melhor, tome o lugar deles e criem suas próprias regras. Notem que falei do carnaval como manifestação que costumava ser popular e espontânea. Hoje, o jogo virou e não tenho lido ou escutado com tanta freqüência sobre a “alienação do carnaval”. Quando algo – seja material ou imaterial – deixa de ser exclusivamente de domínio popular, é possível falar-se até na beleza que nasceu das classes populares e hoje “frequenta as mesas dos restaurantes mais requintados da cidade”. Lembrei-me da boa e velha cachaça.

Estaria exagerando ou caindo no discurso “a culpa é das elites que tornaram o carnaval mais uma fonte de lucro”? Ora, apenas presto atenção a alguns detalhes. Vejamos o que acontece em Salvador, quando aquela multidão invade as ruas da capital baiana para sair atrás dos trios elétricos. Surpreenda-se com este dado: 60% da população de Salvador passa o carnaval em casa, assistindo filmes, ouvindo música ou acessando a internet. Tal informação motivou até uma brincadeira sem graça feita por Marcelo Tas – e, se me permitem, Tas é um excelente comunicador e jornalista, mas um sofrível humorista, caso ele insista em perseguir tal rótulo.

O que acontece neste carnaval de Salvador é bastante emblemático: pessoas uniformizadas com o que se chama “abadá” – os blocos mais famosos custam uma pequena fortuna – separadas do resto do povão por uma corda. Neste espaço entram apenas aqueles que pagaram, uma espécie de ingresso. Para quem procura um pouco mais de conforto existem os camarotes, também alguns com preços cujos valores são quase surreais. A estrutura dos camarotes toma o espaço que antes era ocupado pelo povo que não pagava para brincar o carnaval, o chamado “folião pipoca”. Este prefere ficar em casa ou viajar com a família a pagar cerca de 800 reais pelo abadá do Chiclete com Banana – preço válido para um único dia.

E o supra-sumo acontece quando as músicas de duplo sentido ou conotação sexual - que sempre existiram, é bom ressaltar - condenadas veemente por “serem grotescas, de baixo nível e denegrirem a imagem da mulher” recebem até coreografia daqueles que, fora deste espaço, condenam o cantor e banda por “promoverem a baixaria”. É curioso observar como no carnaval o “pode tudo” legitima o que normalmente se condena.

Por isso mesmo vejo com bastante simpatia a tentativa de resgate dos tradicionais blocos carnavalescos de rua, como já acontece em algumas cidades do Brasil e até mesmo em boas iniciativas que há neste sentido na capital baiana. Não faço pregação pelo fim das escolas de samba no Rio ou dos abadás em Salvador – são fontes de emprego e renda para muita gente. Apenas que o caráter popular do carnaval seja efetivamente resgatado ou que continue firme nos lugares onde isso ainda não se perdeu.

Mais feio do que aquela segregação explícita da corda que acontece no carnaval de Salvador só mesmo Bell Marques raspando a barba e ganhando, segundo se comenta por aí, R$ 2 milhões para tal ato. Isso, sim, é uma injustiça: sou tão desafinado quanto ele, sei rimar "amor" com "ô ô ô" e sou menos feio. E minha barba não encrava!

Fonte: http://grooeland.blogspot.com/

Um comentário:

Eberlandes Santana disse...

Também persegui a ideia de que o povo era vítima disso tudo. Hoje compreendo que são os grnades responsáveis. Não se trata de alienação social, lavagem cerebral, nada disso. A ignorância desse povo e a falta de formação já foram atacadas demais. Um fato que comprova não se tratar disso é que a maioria das pessoas, ou todas, que frequentam esses ambientes possuem um bom nível de formação educacional e bastante dinheiro, ouseja, são muito bem informadas. Então, nada de culpar a pobreza pelo escárnio que são essas festas. Se existem é porque tem aprovação "popular", então quem paga por isso é o (i)responsável. E essas pessoas atribuem aos baianos a qualidade de preguiçosos. Na verdade, são muito astutos, ganhando a vida com brincadeira. Preguiçoso é quem paga pra fazer do ano um carnaval. E o povão que fica fora da cordinha, se faz presente porque quer. Essa cultura de blocos de axé é a pior dessa festividade; quem não pode pagar essa porcaria pode fazer carnaval de rua, mas as pessoas mais pobres adoram frequentar os mesmos ambientes das classes altas, mesmo nessas condições. Detesto essa maldita festa do calendário nacional, mas faço as coisas acontecerem a meu modo, aproveitando bem o feriado.